quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Outra coisa


A internet me mudou e me moldou ao longo dos anos.

A primeira vez que tive acesso a internet, eu tinha menos de 8 anos, no comércio do meu avô, entrava no site da Turma da Mônica, da Barbie e no chat uol. 

Nenhuma regularidade, quando eu estava lá e o computador estava desocupado. 

Além de brincar de colorir eu queria conversar, me comunicar com pessoas sem sentir vergonha, sem me preocupar com o meu peso, se estavam prestando atenção na minha barriga.

A primeira vez que fui ter o meu computador e pude fazer tudo que eu queria, eu tinha uns 11 anos, mais ou menos na mesma época em que menstruei pela primeira vez. Toda minha puberdade passada dentro de uma caixa de luz. Cheia de gente mais velha que se sentia muito a vontade pra julgar e ter muitas opiniões sobre pessoas mais novas, às vezes, bem, bem mais novas.

Mas a minha ansia por comunicação não passava. Eu gastava horas, dias e semanas. Todo assunto me interessava, eram tantas coisas pra aprender, meu cérebro nem dava conta. Tantos novos jeitos de ser, coisas pra ouvir, filmes pra ver, eu emergi no universo cibernético que escolhi como se fosse minha única vida.

E por fazê-lo, de repente a minha vida real tinha menos graça, então fui passando cada vez mais e mais tempo da minha vida real em função da digital, comecei a conhecer pessoas pessoalmente, que antes eu só conhecia na internet, diversas, me dava bem com todas. Pelo menos no começo.

E a internet revolucionou a forma como eu interagia com as pessoas, agora eu tinha tempo pra pensar no que dizer, eu podia tentar ser mais agradável, fazer só as piadas com graça, eu podia não me colocar para baixo ou me preocupar com a minha aparência. Eu podia só tentar ser uma versão mais legal de mim mesma. E eu me afeiçõei a essa versão. 

Eu sabia que eu não era a Fernanda que morava na internet, mas eu queria ser. Lá eu me sentia querida, eu entendia as pessoas, porque lá eu não tinha nada pra ler além de palavras.

Lá se alguém era cruel comigo, não dava pra mascarar com uma risadinha.

Eu entendia ou humanos de lá, ou pelo menos eu acreditava que entendia.

Não sei quem eu seria hoje se nunca tivesse conhecido esse mundo alternativo. Não consigo imaginar ter nascido com tudo isso já disponível.

A quantidade de pedófilos que interagiram comigo ao longo dos anos, é um milagre que nada de pior tenha acontecido. Sorte.

Tive muita sorte e muito azar com tudo que me aconteceu pelo meu constante uso de internet.

Adquiri um vício extremamente difícil de se desvencilhar de.

E um monte de experiências caóticas. Outras maravilhosas.

Equilibrio está em tudo.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Cada uma


Eu sonhei que você me trocava. Foi muito real.

A gente estava juntos, aproveitando as férias, quando uma menina chamou sua atenção, você também chamou a dela e você me disse que eu tinha que "ter muita paciência" porque "a gente sabia que um dia isso podia acontecer".

Isso.

Referindo-se a se apaixonar por outra pessoa, enquanto de mãos dadas comigo.

Referindo-se a se apaixonar por alguém que não tinha o menor respeito por, por exemplo, o relacionamento de outra pessoa.

"O que essa gorda estaria fazendo com esse homem tão bonito? Ele está claramente infeliz, obrigado a continuar nesse relacionamento. Preso".

Era como ela justificava não pensar nem por um segundo antes de ficar toda em cima de você. E você deixava, porque, afinal de contas, é extra normal se "apaixonar" por uma estranha enquanto segura a mão da pessoa que passou por tanta coisa com você.

Ele não podia perder essa oportunidade. E se eles fossem almas gêmeas, né?

E eu ficava. E tinha "muita paciência". 

Com ódio e rancor e mágoa eu me submetia a essa situação humilhante porque eu, como mulher gorda, concordava com a menina que não pesava nem 50kgs, pra fazer isso ele realmente não me amou, ele realmente só se sentiu seguro do meu lado e se só eu amo, tenho que fazer todos os sacrifícios.

Ao acordar, óbvio que nada disso fazia sentido e ter vivido esse filminho só me fez ter mais certeza de que na minha vida não cabe nenhum relacionamento que não seja recíproco. Nenhum.

Nem pai, mãe, amigo, nada.

Se a gente não se ama, se respeita e se sente agradado com a presença do outro na mesma proporção (não que seja possível medir completamente, mas há indícios), eu nem quero. Eu prefiro minha própria companhia.

Eu sempre achei estranho o quanto, aparentemente, as pessoas dependem umas das outras para as coisas mais bobas, ir no cinema, jantar num restaurante, ir numa peça de teatro, "sozinho eu não vou". 

Pois eu vou sim e adoro, às vezes, gosto até mais. Faço tudo exatamente como quero, me divirto, penso bastante e depois volto pra casa. 

Gostoso, sem dramas ou surpresas.

Eu entendo a parte das mulheres terem medo da violência, mas eu me recuso a viver com medo, mesmo sabendo das estatísticas e tendo vivido essa violência na pele, eu me recuso a viver menos pra considerar um medo de algo que pode ou não acontecer e que, se acontecer, meu medo anterior, não vai suavizar ou me ajudar em nada. Então eu vivo sem medo. 

E sinto muito amor por mim, quando magra e perfeitamente dentro do padrão de beleza, ou agora, um pouco menos dentro desse padrão, mas perfeitamente maravilhosa também. Eu amo quem eu sou, quem eu me tornei.

Tô sempre me perguntando o que eu tô fazendo aqui, qual meu propósito, pensando que eu, com 27 anos, já deveria ter uma carreira e saber exatamente o que fazer da vida, mas eu não sei, por isso faço muitas coisas e, às vezes, faço nenhuma. E tá tudo bem.

Eu vendo nudes, há mais ou menos 4 meses comecei a vender nudes. Era algo que muita gente pedia e eu, sem dinheiro e precisando pagar contas falei "ok" e comecei a vender. No começo nenhuma mulher se sentiu no direito de me xingar ou tentar diminuir essa minha opção (homens eu nem sei, realmente não consigo me importar com suas opiniões mais, passei muitos anos achando que elas importavam demais), mas há mais ou menos uma semana e hoje duas mulheres vieram me cutucar.

Nenhuma delas teve coragem de ir mais longe do que um "oxi" ou um "achei que você fazia vídeos" (sim, linda, é impossível fazer duas coisas), mas, claro que me incomodou. 

Me incomodou porque o fato de eu vender nudes não me torna menos capaz de fazer outras coisas. Coisas legais e geniais e que podem fazer pessoas se sentirem mais felizes, eu continuo a mesma pessoa, mas tem gente que gosta de classificar outras pessoas e eu acho que eu tenho medo de ser classificada como coisas que eu nem sou porque eu não tenho vergonha do meu corpo nu. Porque eu preciso de dinheiro e existem pessoas que me disseram que me ver nua era um sonho. Não um ou duas, muitas e muitas. E eu realmente não ligo. Eu vivo no Brasil, no verão, o natural seria que as pessoas não vestissem roupas, é só um corpo, deveria ser a coisa mais natural do mundo, mas não é.