sexta-feira, 17 de maio de 2019

Parece que hoje não era opcional.


Tem dias que você acorda e você tem que.

Tem que respirar fundo, ou escrever aquele texto, ou ver você.

Dias obrigatórios.

Hoje eu sou obrigada a me acalmar, olhar pra fora direito e ter sempre uma resposta serena. O mundo é perigoso pra quem não consegue pelo menos fingir serenidade.

Esses dias chamei um policial, eu precisava de ajuda, mas um deles não queria ajudar, ele queria ser agressivo, violento e mostrar que tinha poder. O próprio colega teve que chamar reforços pra acalmar o homem.

E eu tive que resolver o problema sozinha, problema sem solução. Olhei na alma da pessoa e pedi "por favor, não me enlouquece mais, olha pra mim, olha o meu estado de nervos" e agora que ele foi embora o alívio é tão grande, mas o medo dele voltar permanece, o medo é aterrador.

Porque essa é a questão com tortura psicológica constante, você vai se reduzindo ao medo, a angústia, a sensação de que você não pode fazer nada e quando eu fiz, dois vizinhos, dois estranhos vieram até mim agradecer, porque eles também não aguentavam mais. O som, a audição.

Quando não estava acontecendo ou eu sonhava ou eu alucinava que estava. Um dia fugindo pra longe o som continuava a me seguir, sem parar, corria atrás de mim como um foguete.

A cidade é um pesadelo, um amontoado sem fronteiras de pessoas tentando sobreviver mais um dia, sem horizonte, sem mar, sem rio, só cinza, sujeira. E o barulho, o barulho constante.

Ele não sabe falar nenhuma língua, mas pelo que entendi da nossa comunicação ele não sabia como podia me incomodar tanto quando eu morava na cidade. Ele apontou para os carros, para as pessoas. Apontou pro céu e fez sinal de não.

Os olhos dele me acompanharam por dias. Inadequada, exagerada, o alívio vinha e em seguida uma sensação de enorme vergonha e medo que me inundava.

A verdade sobre o ódio é que se você olha pra ele o suficiente, se você encara ele bem nos olhos, ele nunca se sustenta. Ele sempre parece patético e desesperado, o ódio é um meio, não um fim. E um meio bambo, sem nenhuma sustentação. Senti-lo, mesmo que por pouco tempo e com justificativas, sempre nos torna menor e mais fracos. Ninguém quer o ódio, por isso ele é assim.