Minhas memórias de alegria são todas falsas, todas fantasiosas.
Agora dos abusos eu me lembro bem.
Físico, mental, psicológico, desde que eu me entendo por gente.
Coisas pequenas e coisas gigantes.
Tirarem meu prato da minha frente porque eu já comi demais e ter meu primeiro beijo roubado por um tio-avô que eu odiava e isso é só o que eu lembro.
Coisas pequenas e coisas grandes.
Passar maquiagem na adolescência pra tentar me enquadrar e ouvir que eu parecia um palhaço ridículo e ter minha virgindade roubada por um homem cinco anos mais velho que não me perguntou se eu queria.
Coisas pequenas e grandes.
Ser obrigada a limpar uma sujeira que eu não fiz e depois mesmo assim apanhar de um adulto porque a vida dele não era fácil.
Várias cicatrizes.
Mas eu que sou dramática, eu sou atriz, o drama tá no meu sangue, sabe como é...
E essa história de depressão é falta de trabalho, não o contrario, você só quer se matar porque não faz nada de útil, não produz nada (diferente de nós que produzimos - lixo - e somos cidadãos exemplares - de uma sociedade doente).
Eu sempre achei que confiavam em mim quando, na verdade, não queriam nem que eu estivesse ali.
Minha criação foi eu tentando entender o que era certo ou errado e tendo que lidar com cargas e pesos que eu nem entendia.
Que dramática!
"A Fernanda fala cada coisa, né? Xinga todo mundo e sai chorando, é um absurdo, não tem limites".
E o meu valor sempre atribuído a minha aparência, desde os cinco anos eu não sou adequada o suficiente porque "um rosto tão lindo... mas gorda".
Nada, nada, nada.
Nada, nada, nada.
Nada.
Porque eu sou mulher e como vou ter valor se não me valorizar?
Porque não era um sintoma o meu descontrole alimentar, lógico que não, a Fernanda é dramática.
E tá sempre fazendo tudo errado. Ninguém ensinou direito o que era certo.
Bem feito pra mim.