segunda-feira, 15 de outubro de 2018

This is not the bad place.

É sempre bom ouvir minhas músicas.
Eu tento ouvir uma grande gama de coisas diferentes até pro meu cérebro se desenvolver melhor e direito, mas é sempre ouvir as coisas que eu, há muito tempo atrás, percebi que me deixavam mais emotiva, criativa, ligada com algo que me ajuda a ser mais eu mesma.
Não que nessas horas da vida eu ainda ache personalidade importante, mas é legal lembrar que cada indivíduo é uma experiência do simulador ou do supraeu do de sabe lá o quê, uma experimentação e a minha é única, pelo menos nesse contexto, nessa dimensão, nesse momento.
Momento que são vários se estendendo numa teia infinita de possibilidades.
É como se o universo me recompensasse por não colocar todo mundo acima de mim.
Amar todo mundo, sim, mas respeitar essa experiência de eu que eu construí, aceitar cada pedaço dela, mesmo os vacilos, mesmo as partes horríveis.
Aguentei tudo de bizarro e triste e ainda tô aqui extra disposta a viver e isso é muito bonito e milagroso.
Eu ainda me sinto muito muito feliz com qualquer coisa pequena e muito grande.
Com ouvir uma playlist que eu fiz pra agradar a mim e mais ninguém, ou ser considerada por alguém que eu considero muito, ver meus gatinhos se alimentando.
Eu sou muito facilmente alegrada e essa é minha maior sorte na vida, porque não é falso.
É chorar mesmo, se sentir a pior das pessoas, devastada e a partir daí ir melhorando e mudando minhas perspectivas até adaptar a vida que eu quero e sei que posso criar pra mim.
Eu li uma pessoa falando que cada decisão que você toma te coloca numa frequência energética diferente e cada uma dessas frequências é um universo diferente, uma dimensão.
E significa que se libertar da dor é sair da timeline mais escura possível.
Se amar é um ato revolucionário sim, amar a vida ainda mais, confiar que vai dar tudo lindamente certo é quase loucura, mas uma loucura que te torna mais forte pra enfrentar o que quer que venha por aí.
Porque antecipar uma dor que ainda não aconteceu é viver a mesma dor duas vezes.

sábado, 13 de outubro de 2018

Perdoar.

Há alguns anos atrás, quando meu maior interesse depois de artes era religião e não política, fiz um curso sobre os Kahunas do Hawaii.
Nesse curso aprendi muita coisa genial e curiosa, muita coisa que me ajudou a questionar e a me curar, dentre elas essa oração que se chamava "oração Kahuna do perdão", foi traduzida pelo maior estudioso da língua Havaiana e dos Kahunas.
A oração era essa e durante todo o processo que me permitiu me desvencilhar de um relacionamento terrivelmente abusivo eu fiz a oração.
Há na maioria das religiões um segredo na crença que qualquer comportamento que você reproduza por 21 dias consecutivos vira um hábito.
Seja comer bem, se exercitar, rezar ou se perdoar.
Então por diversas vezes eu começava a oração e no décimo dia parava, esquecia, dormia em outro lugar. Começava de novo e assim ia indo.
Até que eventualmente eu concluí a oração e percebi que o perdão que a oração por vezes coloca como sendo vindo de você e indo em direção ao outro, na verdade é todo direcionado a si.
Pelas más escolhas que mantiveram pessoas que te prejudicaram por perto, por toda a raiva e mágoa que você já sentiu, por todo pensamento horrível ou sensação de superioridade.
Essa oração é uma das muitas formas que uma vez eu encontrei de me perdoar.
E eu não tô falando de milagres religiosos e sim da percepção que o seu cérebro tem sobre ele mesmo quando a gente decide parar de se odiar e resolve gastar tempo tentando ser uma pessoa melhor.
Eu recomendo pra qualquer pessoa do mundo tentar se amar mais, mas não faço o mesmo comigo.
Cada vez que me olho no espelho me julgo tanto e com tamanha crueldade que sinto medo pelo que eu posso vir a pensar de outras pessoas.
Como espalhar amor sendo um vaso vazio dele?
Todo dia eu me xingo das piores coisas: fraca, covarde, vazia, preguiçosa, nojenta, fracassada, burra e essas são só as coisas possíveis de publicar.
Critico meu cabelo, minhas roupas, meu corpo, detesto meu papo e meu braços moles, detesto tudo com tamanha maldade que não sei como continuo acordando todos os dias só pra me odiar de novo.
Nessas de sentir ódio de si é muito fácil sentir ódio dos outros, então eu tenho sempre essa linguinha ferina pronta pra atacar qualquer um que me faça lembrar dos meus fracassos e incapacidades, qualquer um melhor que eu e quando você se odeia todo mundo é melhor que você.
Eu uso minha própria história pra me sentir pequena, diminuída, menos merecedora de amor e oportunidades, eu uso minha história passada pra justificar ser refém e vítima de mim no presente.
"Como que alguém sem educação que não se esforçou o suficiente na escola ia ser alguma coisa hoje em dia?"
"Você conseguiu algum apoio e reconhecimento quando fazia os vídeos só porque na época estava mais dentro do padrão e os caras queriam te comer"
"Nada do que você fez tem valor e seus pais não te amam porque não existe nada amável em você"
"Seus pais não te amaram desde que você nasceu porque você é detestável e hoje em dia virou essa merda porque não tinha como ser melhor"
O relacionamento mais cruel e abusivo que eu já vivi é comigo.
Eu não consigo me deixar em paz um minuto e por não me deixar em paz é difícil florescer e crescer e ser melhor, mais esperta, descobrir um ofício possível, me amar, amar as pessoas ao meu redor, tentar deixar o mundo melhor com a minha presença, tudo fica muito difícil.
E eu já fui outras pessoas, já me amei muito então eu sei que é possível. Daí eu lembrei dessa oração.
Lembrei da Jane Fonda me incentivando a cuidar do meu cérebro primeiramente e exercícios são um ótimo jeito de fazer isso.
Lembrei dos mantras, dos livros, dos meus gatos, lembrei que tem algo ou alguém aqui dentro desse vaso que merece sim ser amado e respeitado, principalmente por ele mesmo.
E agora que eu lembrei eu não quero esquecer, mas parece que toda semana eu lembro e ainda assim continuo a reproduzir maldade e machismo comigo, principalmente.
Mas tudo isso vaza, pra desconstruir tudo que há de pior em mim, eu preciso parar de achar que eu sou tudo que há de pior.
Não desejo o mal de ninguém e amo muito fácil, ainda assim não consigo me amar.
Em crises eu já tentei transferir esse ódio que sentia de mim pra uma outra vlogger, que brigou comigo uma vez, uma ex namorada do meu atual companheiro, já me concentrei nesses dois ódios, contra mulheres, porque talvez eu reconhecesse alguma semelhança entre nós e o machismo, a sociedade patriarcal, me ensinou que tá ok odiar outra mulher, é normal, a gente é louca mesmo.
No auge dos meus estudos feministas eu compartimentalizava toda minha intelectualidade e ia atacar outra mulher "ah, mas ela é machista, um desfavor como mulher, só fala merda", nada, nada, nada, nada no mundo justifica alguém estudar sobre feminismo ao mesmo tempo que agride outras mulheres, só demonstra o quanto você não entendeu nada do que leu e provavelmente só o fez por motivos egoístas, por superioridade moral... a verdade é que enquanto fazia isso, nunca fui mais miserável e triste.
Xingava a moça e me sentia o pior dos piores lixos do mundo.
Me comparava com ela e queria vencer, vencer o quê?
Como se vence da existência de outra pessoa que (na minha crença pessoal) é só um pedaço de você.
A mesma entidade infinita tendo milhares de experiências pra se conhecer melhor.
Odiar é como se apunhalar no coração e esperar que o outro sinta a dor.
Nunca foi sobre outra pessoa e ainda assim me senti no direito de infernizar um terceiro, que tristeza e baixeza.
Por essas e outras atrocidades que cometi preciso me perdoar.
Por toda vez que meu companheiro me chama de linda e eu respondo, quase que automaticamente, com um "feia".
Por toda vez que eu olho com nojo pro meu peito porque ele é caído, ou com raiva da minha barriga porque ela tem estrias, toda vez que eu debocho mentalmente de outra menina gorda que tem a coragem de se amar, mesmo que por um milésimo de segundo, mesmo que eu reprima o pensamento em seguida, ninguém nunca e em hipótese alguma deveria ser julgado por se amar, se aceitar, se entender. Isso sim é inveja.
Ver alguém que se ama e não poder dizer o mesmo de si é o primeiro passo pra maldade, pra experimentar sua pior versão possível.
Eu me sinto tão malvada que ontem assisti uma série e falavam sobre miojo na cadeia, hoje me peguei pensando "será que na cadeia do Brasil tem miojo de tomate da Turma da Mônica?", porque o que eu faço comigo mesma, se fizesse com outra pessoa, seria crime inafiançável.
Felizmente pra mim ser desajustado psicologicamente ainda não é crime perante o estado, mas moralmente não deixa de ser.


quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Deixar passar.

O tempo, a vida, o convívio.
Deixa as estações passarem e os ciclos se completarem.
Deixa a música acabar pra outra começar.
Deixa passar, vai passando.
Vai deixando e transformando.
De um pra dois de dois pra três de três pra quatro.
Deixa nascer e deixa morrer.
Deixa seguir e fluir o que for.
Não se agarra nesse galho que a água vai levar de qualquer forma.
Não se prende nesse dia, nesses últimos trinta minutos.
Deixa a noite vir e a dor acalmar.
Colhe o plantio e deixa a maré subir.
Não deixa o medo te empacar nessa etapa.
Segue que ainda há muito que viver e ver e ser e criar e chorar, tenta.
Mas tenta mesmo, não finge que tentou e foge.
Dá medo porque com a dor você acostumou, mas passa.
Sempre passa e é sempre nova, nenhuma dor antiga te preparou pra dor de agora.
A gente só presume que é aprendizado e não sadismo.
Vai tentando se encaixar e se adequar sem perder absolutamente tudo que tinha na primeira ascensão, mas no fim das contas perde e acha tudo.
Uma vez atrás da outra.
Se renova por completo e completamente novo reemerge.
No eterno espiral que a gente confunde com um círculo.

Midencounter.

Espera. Espera. Espera.
Acordei de um sobressalto.
"Chamada a cobrar para aceitá-la continue na linha após a identificação turu, ru".
Quem eu imaginava.
Andarilho só, no meio de um turbilhão de dores e solidões.

Jaz aqui o primeiro não em anos. Anos difíceis, anos felizes.
Anos de montanha russa.
O primeiro não porque depois da sua volta é triste ficar sem você, sem meu amigo.
Os olhos dele parecem de gato, agora que ele está tão fino e ocupando tão pouco espaço, você olha pro rosto dele e tem só aqueles olhos enormes.
"Isso significa que você vai pra casa dele?"
"Não, só deus sabe".
E eu acho que nem deus sabe, esse é o tanto que eu acho que nessa situação ninguém sabe de nada.
Minha cabeça começa a inventar desculpas e a tentar justificar.
É difícil falar não, mas às vezes é melhor, qual delas eu não sei, sei que falei não e não foi, vai saber por mais quanto tempo.
Provavelmente alguns dias, talvez mais.
Sei lá, eu não sei de nada.
Sinceramente.
Minha mente tem vivido em uma neblina constante, tentando se agarrar a alguns conceitos, ideias, conselhos, tentando entender alguma coisa, desistindo bastante, querendo dormir e por lá ficar.
Ele tem uma maneira muito específica de me desconcertar "eu fiz tudo por você e você tá me expulsando, me deixando sozinho, você é quem está me abandonando agora".
Eu não posso legitimar você largando tudo.
Deve estar sendo tão pior pra você do que eu imagino. Com certeza está.
Mas eu não posso dar um ok pra você não se cuidar, largar de mão de vez seu bem estar e sua vida.
E a vida dele e de tanta gente que você afeta que eu nem entendo como você se sente tão pouco amado e compreendido.
Tudo, tudo, tudo, tudo por anos girando ao seu redor.
Meus passatempos, interesses e amigos, como eu ocupava meu tempo, tudo ligado a você, pra tentar te agradar e ter um convívio feliz com você.
Eu fui crescendo e com isso copiando sua rebeldia, você tinha me ensinado essa parte.
Tive que conhecer outra pessoa parecida pra lembrar que você era bom de estar perto.
Mas ninguém sabe de nada, ninguém que não viveu exatamente tudo que eu vivi pode compreender, por mais que ache que entendeu, é impossível, porque metamorfo.
Eu comecei o dia ouvindo sua voz magoada e acusatória.
Um, dois, três, quatro rounds.
Depois você me deu uma falsa esperança só pra olhar de novo e me dizer que "só deus sabe".
Ninguém sabe de nada.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Burrinha.

Às vezes eu me surpreendo com o quão burrinha eu sou.
Eu sou a pessoa mais manipulável do mundo.
Eu tenho a melhor das intenções sempre, mas como de boas intenções o inferno está cheio, é sempre pra lá que acabo indo.
Seja por não saber ou por saber demais.
Eu vivo no abismo.
No abismo de tudo que há de mais horrível e assustador.
É muito difícil quando quem deveria te proteger é quem mais te assusta, dá medo, medo não de maldade, mas do que pode acontecer.
Uma incerteza cruel é a pior das incertezas.
Deve ser insuportável não gostar da personalidade do próprio filho.
Deve ser triste ter que fingir que se importa dia após dia.
Eu ouvi muita histórias ao longo da minha vida, que explicavam isso e aquilo e desexplicavam um monte de outras coisas.
Minha vida sempre foi muito confusa, tipo um filme de oito horas que no fim ninguém entende direito como deve se sentir.
É estranho estar nessa pele, passando por essas coisas, tendo o poder de evitar isso ou aquilo e incentivar tantas outras coisas, tirando as pessoas do seu luto pra ajudar com outro luto.
"Vingança eu não perdoo" ou "Quem se vinga é uma pessoa a menos no mundo" e deve ser mesmo.
Porque não está certo perseguir alguém só porque seus caminhos cruzaram.
Não é certo tirar tudo de uma, duas, três, vinte pessoas só porque você enxergou uma oportunidade de mamata.
Não.
Ninguém acha isso.
Se isso fosse um filme, ninguém torceria pra você.
Me deixa em paz, deixa minha alma em paz.
Eu não aguento mais carregar o peso de algo que não deveria me afetar.
De um problema que não é meu, me atingindo de um ângulo em que eu nem deveria estar.
Quantos mais quilos eu terei que engordar pra entender que a culpa, o peso, nada disso é meu de fato?
Mandei ele embora pela segunda vez.
A pior das vezes.
Nem pra ele, nem pro outro, nem pra mim, não foi ok pra ninguém.
E ele foi embora.
"A gente se vê outro dia".

Espero que a gente se veja.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Conforto familiar.

O conforto de um velório é um paradoxo.
É um paradoxo porque pra estar num velório, antes algo horrível tem que ter acontecido.
O coração de todo mundo tá apertado, dolorido, sangrando, mas ao mesmo tempo todo mundo que você conheceu durante a sua vida inteira, todo parente e amigo, alguns rostos familiares que o nome você não lembra, mas que você sabe que divide gens com você ou que são importantes pra alguém que divide seus gens ou apoiam alguém da sua rede de conforto, está ali, prestando uma última homenagem, oferecendo o conforto que puder compartilhar.
Hoje, no velório do meu tio, eu fiquei pensando em como eu juntaria todas aquelas pessoas sem um funeral e minha conclusão foi que provavelmente eu não conseguiria, não todas elas.
Claro que meu tio era muito amado e nem todo velório é tão cheio, mas ver todo mundo ali do meu lado me confortou de uma maneira que nenhuma celebração confortaria.
Todas as horas que passamos velando o corpo dessa pessoa, toda conversa que eu pude ter com pessoas que eu não via há muito tempo e mesmo com pessoas que eu vi ontem mesmo, foi de certa forma o melhor remédio que eu poderia pedir pra minha alma.
Família é importante.
É nosso porto seguro, mesmo discordando, mesmo brigando, mesmo assim, cada abraço, cada conforto, cada calor humano que compartilharam comigo, fez meu coração sarar.

Praticamente toda minha família por parte de mãe compareceu ao velório do meu tio por parte de pai.
E a recíproca é verdadeira, quando perdi um tio por parte de mãe, também graças a violência, boa parte da minha família por parte de pai compareceu ao velório.
Eu dei sorte dos dois lados e eu entendo que isso é raro e um incrível privilégio.

As pessoas que me cercam carregam amor em seus corações e talvez seja por isso que eu me cobre tanto, que eu me ache tão insuficiente, os padrões são elevados, ainda bem.
Eu agradeço muito ao universo por ter tanta gente que se eu precisar, de verdade, vem correndo pra me ajudar.

Em tempos de polarização política e ânimos exaltadíssimos poder amar apesar das contradições e do perigo a democracia é um privilégio.
Andar por aquele cemitério vertical, diferente, não parece muito um cemitério, são gavetas, gavetas que carregam histórias inteiras, andar por ali me faz sempre pensar sobre quão fácil e banal é uma vida acabar.

Todos os dias milhares de pessoas deixam de existir. Ou pelo menos deixam de existir pra gente.
Milhares. E todas elas fazem pelo menos uma pessoa chorar.

Agradeço a cada pessoa que compareceu e me ofereceu um abraço, fez toda diferença.
Sou grata de todo coração.
E que o universo receba meu tio em festa!
Um tiquinho bem pequeno da minha amada família.

Ontem a gente dormiu com uma morte.

Mas não só uma morte, uma tragédia.
Tragédia não se anuncia, só acontece.
Por parte de mãe eu tenho muitos tios e tias, já meu pai tem só um irmão.
O tio Leandro. 
Ele que era uma figura calma, comedida, organizada, alegre.
Eu falo no passado porque meu pai acabou de perder seu único irmão, seu irmão mais velho que tinha acabado de fazer aniversário. Do nada.
Eu escrevo esse texto ainda sem entender ou acreditar no que de fato aconteceu.
Uma violência descabida contra uma pessoa completamente pacífica.
Pacífica no falar, no andar, em cada gesto.
Eu simplesmente não consigo acreditar que alguém seria violento com meu tio, tão violento a ponto dele não existir mais.

Nenhuma das minhas escolhas me levou a conhecê-lo, ele simplesmente estava lá.
Esteve sempre. E agora não estará nunca mais.
Nenhuma festa, nenhum evento, eu nunca mais vou ver, ele não vai mais dar nenhuma carona ou só ficar sentado com aquele jeitinho dele no Chavão.
- oi, tio.
- oi, Fê.
Sei lá, a vida pode ser não só estranha como brutal.
Brutal mesmo.

Meu pai dorme aqui em casa quase todo fim de semana e o tio que traz ele.

Eu acho que religiões existem porque caso contrário, nesses momentos, todo mundo ficaria muito bravo, muito nervoso, muito muito revoltado.
Não se tira a vida de alguém.
Não se tira a vida de ninguém.
Não deveria sequer se ameaçar uma pessoa, quem dirá uma covardia tão selvagem, tão descabida.

Todo mundo devastado.
Ver meu pai chorando.
O único irmão.

E meu avô? Perder o filho desse jeito.
Quando eu falei com ele no telefone ele disse que "já estava equilibrado".

Meu vô, tudo que ele já passou, toda tristeza e mágoa e ele não reclama nunca.
"Deus não dá fardo maior do que a gente pode carregar" e esse é o mote da vida dele, não importa que horror, que situação de desalento ele passe, nunca vi ele reclamar.

E não há nada que eu possa fazer pra ajudar.
O horror aconteceu, a pior das violências.
E é isso.
Meu pai de pé e o tio Leandro sentadinho

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Morte por feiura.

Eu sinto que eu sempre estou errada.
Desde que engordei, eu estou sempre mais errada.
Eu engordo e emagreço muito e com muita facilidade, então de um mês pra outro um vizinho que era simpático comigo, para de ser e vice-versa.
Quanto mais dentro do padrão eu me enquadro, mas eu sou bem tratada e mais certa eu estou, mais validada eu sou, mais pessoas falam comigo, mais mais mais, quanto menos espaço eu ocupo, mais bem quista.

Nesse momento, nessa gordura, nesse estado, eu sempre que abro uma revista ou vejo uma representação de alguém que parece comigo, é sempre o errado.
O que usar x O que NÃO usar
Eu realmente só devo me amar e me aceitar quando consigo perder peso?
Meu valor tá diretamente ligado a minha estética?

Não, claro que não, olha quanto movimento de body positivism existe... na internet.
Na internet tem gente gorda que é amada, na internet tem gente gorda que se aceita, que se ama, que não quer mudar, que ninguém manda um "olha só tô falando isso porque me preocupo com a sua saúde", mas é só.

Na vida, no mainstream, toda propaganda, toda mídia, tudo que me cerca e que me ataca diariamente conta com a ideia de que a mulher precisa ter no máximo do máximo estourando 65kgs.
Um quilo a mais e pronto, impossível aparecer na câmera sem alguma chacota sobre esse quilo a mais.
Quando eu estava na faculdade um "colega"costumava dizer que eu "estava a um pãozinho de" e fazia um gesto de balão explodindo.

Ninguém achava uma brincadeira absurda, todo mundo ria, meus colegas, meus amigos "Ai Tito..." como quem diz "ai você é fogo", tem coragem de falar o que todo mundo tava pensando, hehehe hahaha hihihi

As pessoas que fizeram as piadas não devem lembrar nem se eu contar pra elas.
"Quem bate não lembra, quem apanha nunca esquece", ou algo do tipo.

Essa inadequação dentro do meu próprio corpo, meu templo, que me leva de um lado pro outro, minha interface pro mundo, atrapalha absolutamente tudo na minha vida.
Minha autoestima intelectual está bizarramente ligada com todo o resto da minha autoestima.

Eu não consigo me sentir esperta habitando um corpo que me traz tanta mágoa, porque não é esperto mesmo, eu sei como emagrecer e deveria só ceder mais uma vez e ficar do jeito que querem que eu fique, sempre com uma leve dor de estômago e uma raiva reprimida por saber que todo aquele bem estar que vem com minha "beleza" exterior é condicional a eu continuar "bonita" para continuar a ser mais amada e respeitada e admirada.

Todo gordo do mundo vai saber exatamente do que eu estou falando e quase toda pessoa que nunca foi gorda, nunca sentiu seu valor diminuir conforme o seu peso vai aumentando vai pensar "ai, só emagrece, não é tão difícil". 

Mas é difícil viver sabendo que em alguns anos a gordura não vai mais ser o problema e sim meu envelhecimento, ter mais anos e mais sabedoria e mais conhecimento, vai me fazer menos valorosa, porque, novamente, menos agradável aos olhos.
E segue a vida da mulher que ainda não conseguiu desconstruir essa maldita sentença de morte por feiura.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Hoje a gente acordou com uma morte.

Hoje a gente acordou com uma morte.
Uma morte anunciada, mas triste ainda assim.
Eu tinha sonhado com uma casa pequena, ela ficava no centro de São Bernardo, onde a Bilings morava, parecia um mar e nesse sonho minha família perguntava se podiam entrar e tomar um cafézinho, a resposta era não "minha casa é muito pequeninhinha"e eles entravam mesmo assim, passavam café, achavam biscoitos, mais de 14 pessoas, na casa pequenina, se expandiam pro jardim, virava um pic-nic, alguém caia na Bilings e todo mundo ria, feliz.
Essa era a história dentro da história, a história principal era sobre uma menina tentando prejudicar meu relacionamento, por maldade ou paixão não sei, mas eu não ligava muito pra história principal.
Tava mais interessada em passar pelas construções da minha São Bernardo imaginária e assistir Batman x Superman com todo mundo que eu cresci perto.
Em dado momento eu subia na balança e ela marcava 92kgs.
Tudo era um pouco hilário e um pouco indiferente.
Quando eu acordei fui abraçar o Renan, mas era impossível, porque a vó Ilza tinha falecido.
Falecido é uma palavra engraçada para descrever quando alguém deixa de existir.

Na prática o que acontece é que em toda visita, festa, casamento, em todo funeral que eu for, ela não vai mais, na prática quando eu entrar na casa dela, não vai mais ter ela.
É como se ela tivesse ficado brava comigo, que não suportasse mais minha presença, pra sempre.
Nunca mais se encontrar.

É engraçado estar tão triste com morte de alguém que me foi dado, eu jamais conheceria a vó Ilza se não tivesse baixado o Tinder e achado esse rapaz especialmente bonito e flertado por horas, até ele me chamar pra sair e eu ficar morrendo de vergonha e ele todo confiante.

Jamais teria ouvido as histórias sobre ela ser uma professora no interior de Minas e ter criado 7 filhos com muito amor, se eu não tivesse continuado a querer ver o menino bonito do Tinder a vó Ilza nunca nem existiria pra mim, mas graças as minhas decisões, graças a todas as minhas escolhas, eu conheci ela.

A vida é muito estranha.
Há quem se alimente da relação dos outros, literalmente, da mãe ou avó de alguém, eu não faço mais isso tem um tempo, mas por muito mais tempo eu fiz a mesma coisa, me alimentei de alguém que agora vai ficar bravo pra sempre, com todas as relações que ele já teve.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Tardes de Outubro.

Essas tardes entre o inverno e a primavera, onde nem ela começou, nem ele foi embora, sempre tiveram um jeito especial de me fazer fantasiar sobre o passado, sobre ontem, dez anos atrás, vidas passadas, quando tudo parecia melhor e menos doloroso, mais onírico.
Provavelmente porque, apesar de acreditar que todos os tempos estão sendo vividos ao mesmo tempo, acredito também que a gente escolhe qual janela abrir pra dar uma olhada.
Não devia ter nada de errado comigo, mas sempre tem alguma coisa, o que significa que não é nada externo, eu decidi que faria da minha vida um inferno torturante e tenho feito nos últimos tempos, mas eu sei que isso é mutável, é possível ser feliz com certo grau de alienação, não precisa nem ser total, nem 50%, só a dose certa de egocentrismo e se apreciar o suficiente te levam a olhar algo absolutamente repulsivo sobre o mundo e pensar sim "nossa, que pena, que chocante", mas depois aquele sentimento não continua te assombrando, não te causa nenhuma ataque de pânico, depois da sua empatia ser acionada e você se sentir triste por compaixão, depois desses 10 segundos que aquele assunto te afetou, passa, você esquece.

Mas pra mim não passa nunca, pelo menos não tem passado.

Eu amo cozinhar, consequentemente, assistir programas aleatórios de culinária e, no trailer de um deles apareceu uma ave, viva, porém depenada, pronta pra ser morta e degustada.
Isso aconteceu há dois dias e eu já sonhei com essa imagem, às vezes transfigurada em outras mensagens de desespero, às vezes a ave realmente, várias vezes, algumas, não vezes demais, muitas vezes.

Acontece que eu não vou esquecer aquela ave, assim como não esqueci a primeira pomba que eu vi morrer atropelada, nunca vou esquecer o barulho que fez, de explosão, tinham mais 15 pessoas no ponto de ônibus e nenhuma delas se importou, de verdade.
Não por serem pessoas piores que eu, nenhuma delas era, mas por serem pessoas mais saudáveis, capazes de digerir traumas e seguir em frente.

Eu nunca vou esquecer o gatinho que eu vi envenenado na minha rua, não tinha mais vida no corpinho dele quando eu vi, não tinha mais nada, só um vasinho que um dia um gato habitou.
Eu não sei qual é o meu ponto com esse texto, parece que não adianta fazer sentido, porque nada de fato o detém, talvez as coisas só possam fazer sentido alguns segundos por vez e nesses segundos todo o resto do mundo precisa achar que você está louco. Talvez ver sentido em qualquer coisa seja mesmo a definição de loucura.

Eu sempre me desespero em tardes de Outubro e nas de outros meses também.
A tarde é mais difícil que a noite pra mim, porque nada que eu faça de tarde é suficiente, nada é bom, eu não consigo ser boa de tarde.
Ou de manhã, ou de noite, mas parece que eu só quero ser boa de tarde.
A tarde me obriga a confrontar o quanto eu não sou boa em nada.
E não estou fazendo nada para ser.
Eu finjo que escrevo ou que falo ou desenho, eu finjo cantar e aprender e fingindo o que me resta de vida me escorre pelas mãos e às vezes pelos olhos.

E viver pelos outros é possível, eu sou a prova existente que é. Mas dói.
E tudo em você reclama, sua dor é constante e física, você já nem reclama mais, parece fácil se entregar ao nada, mas o nada nunca é o nada, o nada é uma tortura assustadora, é não ter valor nenhum e nem querer ter e nem ver valor em nada.

Ficar assim tão perdido é ser um peso e um estorvo, porque todo mundo sabe o que você precisa fazer, mas você não faz, não faz porque não consegue, mas parece que é porque não quer.

E aí você passa a nem querer mesmo, cada vez menos, cada vez mais às vezes, até você não lembrar da sua última gargalhada sincera que não veio acompanhada de pavor e uma leve vontade de gritar.
Eu sei que os meus textos são parecidos com os que eu fiz quando eu tinha 15 anos, mas agora são menos autênticos e palatáveis porque a pessoa que escreve é outra e continua o mesmo tom, o mesmo medo, a mesma necessidade absurda de aprovação que me assola desde que eu me entendo por gente.

Deve ser exaustivo pra qualquer um, até pra quem vê de fora.
Imagina conviver com isso, imagina ser essa pessoa.
Espero que você não consiga nem imaginar e tenha uma vida bem mais feliz que essa e que a sua no dia de hoje e no de amanhã e assim sucessivamente.
Espero que a dor do mundo melhore pra ver se com ela melhora também a minha.